A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2025, o PL Antifacção (PL 5582/2025), conhecido como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, com 370 votos a favor, 110 contrários e três abstenções. O destaque que proíbe o voto de presos — aprovado por 349 a 40 — foi celebrado pelo deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) como "uma vitória para as forças de segurança". "Preso não vota mais no Brasil", afirmou ele em vídeo nas redes sociais, em tom de triunfo. A medida, que já divide opiniões, é parte de um pacote mais amplo que endurece penas, cria mecanismos de confisco e redefinir o que é considerado organização criminosa ultraviolenta. E o mais inesperado? A aprovação veio mesmo enquanto o governo federal, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, tentava manter o controle da pauta.
Um projeto que mudou de mão
Originalmente apresentado pelo Executivo, o projeto foi entregue ao relator Guilherme Derrite (PP-SP), que o transformou radicalmente. O texto original propunha medidas de combate ao crime organizado, mas Derrite ampliou o escopo: definiu como "organização criminosa ultraviolenta" grupos que usam armas de fogo, explosivos, drones, dominam territórios, atacam presídios ou controlam economias ilegais. A mudança foi tão profunda que, segundo fontes da CNN Brasil, o Palácio do Planalto ficou insatisfeito — especialmente com a retirada de cláusulas que protegiam direitos de presos e com a ampliação de poderes da polícia e do Ministério Público.Penas que assustam e bens que desaparecem
As penas passaram a ser as mais duras da história recente. Crimes cometidos por integrantes de facções passam a ser classificados como hediondos — sem possibilidade de fiança, livramento condicional, anistia ou indulto. Se for homicídio de criança, a pena pode chegar a 40 anos. Para líderes de facções que usam tecnologia avançada, como drones para ataques ou logística, a pena pode saltar para 66 anos. E não é só isso: o projeto cria o Banco Nacional de Organizações Criminosas, que vai reunir dados de integrantes, financiadores, empresas-lava-jato e até contas digitais. Essas informações serão compartilhadas entre estados e União — algo nunca feito antes no Brasil.Além disso, o texto autoriza o confisco de bens — imóveis, veículos, ações, criptomoedas — mesmo antes do julgamento final. Basta um pedido do Ministério Público ou da Polícia Federal, com autorização judicial. "Isso quebra o modelo de enriquecimento ilegal que sustenta as facções", afirmou o deputado Marcos Pollon (PL-MS). "Classificar esses grupos como terroristas integra o Brasil aos sistemas de inteligência globais. Não há mais como lavar dinheiro sem ser detectado."
Presos não votam — e isso é só o começo
O destaque que proíbe o voto de presos provisórios e condenados foi o mais polêmico. Até então, mesmo quem estava preso tinha direito ao voto — desde que não fosse condenado por sentença transitada em julgado. Agora, basta estar detido, mesmo que em regime provisório, para ter o título de eleitor cancelado automaticamente. "É uma derrota para quem defende criminosos", disse Nogueira. Mas juristas e defensores de direitos humanos já alertam: isso pode ser um passo perigoso. "Estamos criminalizando a condição de prisão, não o crime", diz a professora de direito constitucional Ana Paula Mendes, da USP. "O voto é um direito político, não um privilégio. Excluir milhões de pessoas por estarem presas pode abrir caminho para outras exclusões."Na prática, isso afeta cerca de 800 mil pessoas atualmente detidas no Brasil — mais da metade delas em prisão provisória, sem condenação. Muitas são jovens, negros, pobres. E, apesar de não terem sido julgadas, perderão o direito de escolher seus representantes. "É um sinal claro: o Estado não quer ouvir quem está dentro da cela", observa o sociólogo Carlos Eduardo Almeida, da UFRJ.
O que vem a seguir: Senado e o veto de Lula
O projeto agora segue para o Senado Federal, onde a discussão promete ser ainda mais tensa. O governo tem 26 senadores entre os 81 — e a base aliada já demonstrou descontentamento. A oposição, por outro lado, vê no projeto uma oportunidade de consolidar uma agenda de segurança rígida, com apoio popular. Mas há um ponto crítico: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode vetar trechos. O que ele não pode vetar é a própria aprovação — o projeto já passou por dois turnos na Câmara e tem apoio técnico de instituições como a Polícia Federal e o Ministério da Justiça.Se o Senado aprovar sem mudanças, o veto presidencial será o próximo capítulo. Se houver alterações, o projeto volta à Câmara. E se o veto for derrubado? Aí, a lei entra em vigor — e o Brasil terá uma nova realidade jurídica, com presos sem voto, bens confiscados antes da condenação e líderes de facções em presídios de segurança máxima, com todas as conversas monitoradas.
Um novo modelo de segurança, ou uma nova forma de repressão?
O projeto traz avanços reais: a criação do banco de dados integrado, o confisco de ativos digitais e a tipificação clara de organizações criminosas são ferramentas que faltavam há décadas. Mas o custo é alto. Ao eliminar o voto de presos, o Legislativo ignora um princípio fundamental da democracia: a presunção de inocência. E ao permitir confisco antes do trânsito em julgado, o Estado se coloca acima da justiça.Os defensores dizem que é preciso agir com dureza contra o crime organizado, que já matou mais de 50 mil pessoas por ano nos últimos cinco anos. Os críticos respondem: não se combate violência com mais violência institucional. O que está em jogo não é só segurança pública — é o próprio modelo de democracia que queremos.
Frequently Asked Questions
Quem pode votar agora no Brasil, segundo o novo PL Antifacção?
Agora, apenas pessoas que não estão detidas em estabelecimento prisional — seja provisória ou definitivamente — podem manter o título de eleitor. Mesmo quem foi preso sem condenação final perde o direito ao voto automaticamente. O cancelamento ocorre assim que o nome entra no sistema prisional, independentemente do tipo de crime ou da fase do processo.
Quais crimes passam a ser considerados hediondos com o novo texto?
Todos os crimes cometidos por integrantes de organizações criminosas ultraviolentas, como homicídios, tráfico de drogas, sequestros, ataques a presídios ou instituições financeiras. O texto especifica que, se o crime for praticado com armas de fogo, explosivos, drones ou agentes biológicos, e for vinculado a uma estrutura organizada, automaticamente se torna hediondo — sem direito a fiança, indulto ou livramento condicional.
Como será feito o confisco de bens antes da condenação?
A polícia ou o Ministério Público podem pedir bloqueio de bens — imóveis, contas bancárias, criptomoedas, cotas de empresas — com base em evidências de ligação ao crime organizado. Um juiz analisa o pedido em até 72 horas. Se aprovado, os bens são bloqueados imediatamente. O proprietário pode contestar depois, mas o bem já está sob controle do Estado, mesmo que o julgamento ainda não tenha terminado.
O que é o Banco Nacional de Organizações Criminosas e como ele funciona?
É um sistema centralizado que reúne dados de todos os integrantes, financiadores e empresas ligadas a facções criminosas. Os dados vêm de polícias estaduais, PF, Receita Federal e até bancos. O banco será acessado por autoridades com permissão, e compartilha informações em tempo real. A ideia é identificar redes de lavagem e financiamento transnacional — algo que, até agora, era feito de forma fragmentada e lenta.
Por que o governo Lula não gostou do projeto?
O governo considerou o texto excessivamente punitivo e com riscos de violação de direitos constitucionais. A retirada de cláusulas que protegiam direitos de presos, a permissão de confisco sem sentença e a exclusão do voto foram vistas como retrocessos. Além disso, o Palácio do Planalto queria um projeto mais focado em prevenção e reinserção social — não apenas em repressão.
O que pode acontecer se o Senado aprovar o texto como está?
Se o Senado aprovar sem alterações, o projeto vai para a Presidência da República. Lula poderá vetar trechos específicos — como a proibição do voto ou o confisco prévio — ou sancionar integralmente. Se vetar, o Congresso pode derrubar o veto com maioria absoluta. Se sancionar, o texto vira lei e entra em vigor em 180 dias, mudando radicalmente o sistema penal brasileiro.