Quando Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo revelou que o Impostômetro já havia acumulado R$ 1,2 trilhão em tributos até 20 de abril de 2024, ficou claro que a cidade de São Paulo está vivendo um momento de intensa pressão fiscal. A celebração dos 20 anos do painel eletrônico acontecerá no Pátio do Colégio, no Centro Histórico, às 14h do dia 23 de abril. Essa marca supera em 8,6% o mesmo período de 2023 e representa mais de um terço da arrecadação total do ano anterior, que foi de R$ 3,6 trilhões.
Contexto histórico do Impostômetro
O Impostômetro foi criado em 2005 por um consórcio entre a Associação Comercial de São Paulo e o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Desde a primeira leitura de R$ 1 trilhão em 2008, o painel evoluiu lentamente até alcançar R$ 2 trilhões em 2016 e R$ 3 trilhões em 2022. Até dezembro de 2023, o valor nominal acumulado chegou a R$ 36,2 trilhões, um crescimento de 394,3% – muito acima da inflação (182,4% no mesmo período).
Evolução da arrecadação em 2024
Em 2024, a velocidade do relógio parece ter acelerado. Em apenas dois meses, o painel registrou R$ 500 bilhões, quatro dias antes do previsto em 2022. Marcel Solimeo, economista da ACSP, explica que “a alta que tivemos aconteceu pelo aumento da inflação, que incide diretamente nos preços dos produtos e eleva a arrecadação”.
Nos últimos dez dias de abril, a média de arrecadação ultrapassou R$ 5 milhões por minuto, o que equivale a quase R$ 300 bilhões ao mês. Para colocar em perspectiva, se a tendência continuar, o Brasil pode chegar a R$ 2 trilhões em arrecadação antes do fim do ano – 41 dias antes do recorde de 2023.

Análises dos economistas
Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP, aponta que o salto não é obra apenas da inflação. Ele destaca uma combinação de fatores, entre eles:
- Aquecimento da atividade econômica, com aumento de renda e emprego.
- Reintegração do PIS/COFINS nos combustíveis.
- Tributação de fundos exclusivos e offshores.
- Novas alíquotas de ICMS e IOF.
- Taxação de apostas (Bets) e de encomendas internacionais.
- Fim de benefícios fiscais para o setor de eventos (PERSE).
Solimeo ressalta ainda que, embora a redução temporária nos impostos sobre combustíveis tenha amenizado o impacto, “o verdadeiro desafio está em equilibrar arrecadação e gastos públicos”. O novo arcabouço fiscal, que deve substituir o teto de gastos, promete maior flexibilidade, mas também traz riscos de desequilíbrio.
Impactos sobre a economia e o déficit público
Com a arrecadação avançando a passos largos, o déficit da conta pública ainda preocupa. O projeto Gasto Brasil aponta um déficit de R$ 340 bilhões, ou seja, cerca de 2% do PIB. Esse número reflete a diferença entre a explosão de receitas e a alta dos gastos correntes, sobretudo em saúde e previdência.
Durante o Carnaval de 2024, o Impostômetro mostrou que bebidas alcoólicas carregavam até 81% de carga tributária, enquanto materiais escolares chegavam a 50% de impostos. Esses dados ajudam a ilustrar como a carga tributária afeta o consumo cotidiano, reforçando a missão original do painel: conscientizar os cidadãos sobre a “mão pesada dos governos”.

Próximos passos e celebração dos 20 anos
A cerimônia no Pátio do Colégio será mais que um festival de retrospectiva. A ACSP divulgará um estudo detalhado que compara a evolução tributária das duas últimas décadas, com gráficos interativos, entrevistas e recomendações de política fiscal. Entre os convidados estão representantes do Ministério da Fazenda, lideranças sindicais e acadêmicos da Fundação Getúlio Vargas.
Ordine promete que o próximo período de análise será ainda mais transparente: “Queremos que o brasileiro veja, minuto a minuto, quanto paga ao Estado e, sobretudo, o que esse dinheiro devolve em serviços de qualidade”.
Perguntas Frequentes
Como a alta da arrecadação impacta os consumidores?
O aumento dos tributos eleva o preço final de produtos e serviços. Por exemplo, durante o Carnaval de 2024, 81% do preço da cachaça era imposto, o que reduz o poder de compra da população, sobretudo das camadas mais vulneráveis.
Qual a relação entre o Impostômetro e o déficit fiscal?
Mesmo com a arrecadação em ritmo acelerado, o déficit permanece porque os gastos públicos (principalmente saúde, educação e previdência) crescem mais rápido. O estudo do Gasto Brasil aponta um déficit de R$ 340 bilhões, indicando que a receita extra ainda não cobre todas as despesas.
Quais mudanças tributárias foram decisivas para o salto de R$ 2 trilhões?
A reintegração do PIS/COFINS nos combustíveis, o aumento das alíquotas de ICMS e IOF, a taxação de apostas online e de encomendas internacionais, além da tributação de fundos offshores, foram os principais motores desse crescimento.
O que o novo arcabouço fiscal pode mudar?
A proposta pretende substituir o teto de gastos, permitindo maior flexibilidade nas despesas. Se bem calibrada, pode alinhar melhor arrecadação e gasto; se mal gerida, pode ampliar o déficit e pressionar ainda mais os contribuintes.
Quando será divulgado o estudo da ACSP?
O relatório completo será apresentado na cerimônia de 20 anos, no dia 23 de abril de 2024, às 14h, no Pátio do Colégio, em São Paulo.
O Impostômetro, esse venerável barômetro da devastação fiscal, transborda em sua última leitura como se fosse a própria gravidade econômica do planeta, puxando cada centavo dos bolsos como um buraco negro de burocracia. Cada trilhão que se acumula não é somente um número, mas um manifesto da hiperinflacionária sinfonia de alíquotas que ecoa nas esquinas de São Paulo. O discurso inflacionário, ora diluído em discurso de “justiça fiscal”, ora reforçado por um arcabouço legislativo que parece mais um feitiço de conjuração de créditos. O círculo vicioso entre arrecadação e despesa pública é uma espiral de feedback positivo que, se não contida, converte a cidade em um organismo auto‑sustentado de cobrança. A análise de Ulisses Ruiz de Gamboa, ao citar um “caldeirão de fatores”, revela a verdade crua: a tributação não é um monstro isolado, mas um conglomerado de políticas que se alimentam mutuamente. A reintegração do PIS/COFINS nos combustíveis, por exemplo, funciona como um catalisador que acelera a combustão das finanças públicas. As apostas e encomendas internacionais, antes marginalizadas, agora são tributadas como se fossem o último recurso de um Estado faminto. Cada nova alíquota de ICMS e IOF representa um degrau a mais na escadaria da opressão fiscal, elevando o cidadão ao status de contribuinte‑camelo. A taxa de 81% sobre a cachaça durante o Carnaval não é mera coincidência, mas a demonstração de que o Estado decidiu beber da própria sede tributária. Em contraste, o déficit de R$ 340 bilhões mostra que, mesmo com a arrecadação em alta velocidade, o consumo de recursos por parte do Estado não tem freio. O “novo arcabouço fiscal” promete flexibilidade, mas flexibilidade sem limites é sinônimo de anarquia contábil. Se a receita extra não acompanha a espiral de gastos, o equilíbrio fiscal se desfaz como espuma de cerveja em tarde de verão. Em última análise, o Impostômetro não é apenas um painel eletrónico; é um espelho que reflete a própria alma tributária de uma metrópole que, paradoxalmente, celebra a sua própria opressão. Portanto, o aniversário de 20 anos deve ser visto como um epitáfio de pedra angular para um regime que se alimenta de cada centavo. E, ironicamente, o próprio ato de comemorar cria mais um ciclo de consumo de recursos para a máquina estatal. Assim, a lição que fica é que, enquanto houver governo, haverá também o Impostômetro, como um relógio que nunca para de contar os segundos do fardo fiscal.
É notável, entretanto, que a escalada da arrecadação, ainda que impressionante em termos absolutos, carece de uma análise sistêmica, que considere simultaneamente a dinâmica inflacionária, o aumento dos salários reais, bem como a expansão da base tributária; desse modo, seria possível compreender, de forma mais acurada, quais são os verdadeiros motores desse crescimento, sem, no entanto, incorrer em simplificações exageradas, que muitas vezes desconsideram nuances relevantes, sobretudo no que tange à eficácia das medidas de reintegração de tributos sobre combustíveis, que se mostraram, em diversas ocasiões, um elemento catalisador significativo.